20 de setembro de 2012

RETRATO DO ABANDONO

Um vazio imenso tomou posse
da estância que virou tapera
como retrato do abandono.
E ao contrário do que era
foi o silêncio que fez sua morada
na sombra da imponente figueira.

Dói na alma uma saudade
daquele tempo sem igual
em que os peões irmanados
em volta do fogo de chão
numa charla de causos impagáveis
mateavam perpetuando um ritual.

Foi-se o tempo das tertúlias
da trova e da declamação,
do gemido faceiro da gaita
e do choro apaixonado do violão.
Emudeceram todos os acordes
que ecoavam nas madrugadas do galpão.

Foi-se o tempo da lida campeira,
do mugido do gado,
do relincho dos cavalos,
da revisão do alambrado,
da marcação, da doma, da castração,
do ronco do trator com o arado.

Da estância que virou tapera
na imensidão da coxilha,
restaram do rancho as ruínas.
Ficou só o quero-quero em vigília
que de teimoso, ficou solito,
como único dono daquelas paragens.

Há muitos anos, com luta e bravura
foram conquistadas aquelas terras
a ferro e fogo, sangue e suor,
como nos campos de guerras.
Ali nasceram gaúchos valentes,
viveram homens de fibra e valor.

Fizeram daquele chão uma bela estância
igual couro cru que a mão do guasqueiro
transforma numa intrincada trama de tentos.
E enquanto zelava por tudo um posteiro
dava gosto olhar aquela imensidão,
linda e invejada por qualquer estancieiro.

Mas o tempo transformou a estância.
Flor de campo, cedendo lugar aos cupinzeiros
que fazem esmorecer sonhos e esperanças,
fere feito punhal na alma dos herdeiros
que viveram da rude lida na infância,
e receberam como herança o retrato do abandono.

Não bastasse a enorme saudade
da infância naquele lugar abençoado,
dói saber que tudo perdeu-se no tempo.
Só ficou a estância abandonada, como legado
que somente a força temperada de bravura
será capaz de reerguer com novo alento.

As pedras da taipa destruída
já foram, um dia, unidas lado a lado
como aquela estirpe de guapos reunida
que o tempo havia separado.
Olhares distantes, buscando vida
talvez aquela que ficou no passado.

A realidade nua e crua
impressiona os desavisados,
até mesmo aqueles recém-chegados.
Mas uma alma aprisionada
pelas paredes da cidade
reaprende fácil a viver em liberdade.

Um novo ciclo de lutas
conseguiu plantar esperanças
na amplidão daqueles campos,
reacendeu velhas lembranças,
fez homens de almas aprisionadas
renascerem feito crianças.

Com a mesma formosura dos velhos tempos
aos poucos a estância foi sendo reconstruída
com muito empenho e braços fortes
toda aquela paisagem ganhou vida.
Hoje basta abrir as janelas do rancho
e encher os corações de paz e alegria.

Fernando Poeta  - 2005

Um comentário:

evandro baltazar teixeira disse...

Mas ahhhh,quando crescer eu quer ser igual a você! Brincadeiras a parte me orgulho de suas poesias,parabéns por sua criatividade,paixão e talento com as palavras,abraços!